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Em um país com temperaturas agradáveis para o banho de mar em praticamente o ano todo, é comum nos depararmos com notícias a respeito de “queimaduras” por águas-vivas vez ou outra. Para passarmos o que é mito e o que é verdade sobre tais episódios dolorosos, chamamos o médico Vidal Haddad Junior para desvendarmos os principais tópicos. Ele é professor associado (livre-docente) da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, pertencente ao Departamento de Dermatologia e Radioterapia.

Como as caravelas e águas-vivas podem ser um perigo para o ser humano?

Os bichos marinhos chamados cnidários têm o corpo parecido com uma gelatina transparente e possuem tentáculos usados para capturar os peixes de que se alimentam. No corpo e nos tentáculos existem pequenas células que apresentam veneno, o que paralisa os peixes. Quando trombam com seres humanos, nas praias, descarregam este veneno pelo contato e causam envenenamentos. Tais quadros podem ser graves, especialmente em acidentes causados por medusas, chamadas cubomedusas, e por caravelas.

Todas as caravelas e águas-vivas “queimam”? Como identificá-las?

Todos os cnidários apresentam as células venenosas, inclusive os corais e as anêmonas, que também são cnidários. Entretanto, a potência do veneno varia nas muitas espécies que existem no Brasil e no mundo. O que muda a gravidade do acidente. Em nosso país, a maioria das espécies causa muita dor, mas o envenenamento é só na pele e não se associa com o risco de morte. Outra coisa: cnidários não queimam. Eles são frios, portanto, não há como queimar. A dor causada pelo veneno é em ardência e parece dor de queimadura, mas é um ENVENENAMENTO.

Quanto maior a área de contato, maior a quantidade de veneno injetada. Então a gravidade pode ser medida pelo tamanho do bicho (maior contato), pela menor área corporal (crianças) e pela potência do veneno.

Se eu entrei em contato com um desses animais, o que devo fazer para evitar o problema na pele?

O problema na pele é inevitável. Ela incha e fica vermelha, inicialmente, por ação do veneno. Cerca de 24 horas após o acidente, formam-se linhas, que reproduzem os tentáculos. Elas começam a escurecer e podem até formar bolhas. Isso é um efeito que chamamos de necrose da pele. O outro efeito é a dor violenta no local do contato. Esse pode ser tratado. Lembrem-se que é um animal venenoso, mas não existe soro antiveneno para ele, como existe para as cobras, as aranhas e os escorpiões.

Além da irritação da pele, há outro sintoma do contato humano com esse tipo de animal, como febre ou vômito?

Nos envenenamentos mais graves, com caravelas e cubomedusas, pode haver absorção do veneno pelo corpo e alterações do coração e pulmões. Algumas espécies de cubomedusas são responsáveis por centenas de mortes no Indo-Pacífico, mas isto não é visto no Brasil, embora não seja impossível que ocorra.

O que é popularmente conhecido como uma boa forma de agir durante o ataque desses animais, mas que, na verdade, são lendas e podem até piorar o quadro? Como jogar água mineral em cima, água de coco e até urina humana?

Só existem duas medidas que são realmente úteis: fazer a imersão ou compressas de água do mar gelada, que tem efeito de anestesiar a área (água doce piora o quadro, por disparar células venenosas que ainda não descarregaram) e compressas de vinagre, que inativa as células que ainda estão agindo. Remédios para a dor também podem ser usados. Todas as outras sugestões são de amigos (da onça): como água doce, urina, Coca-Cola, etc…

Depois da queimadura, em quanto tempo a pessoa recupera a pele lesionada? Precisa usar medicamentos ou melhora sozinha?

Se houver necrose da pele, pode demorar um bom tempo para sumir (até um mês). Mas são consequências, não havendo mais veneno ou dor. Nessa fase, se não houver infecção, uma pomada de corticóide pode ser usada (mas não adianta no início).

Acidentes com esses animais podem provocar algo mais sério, como choque anafilático, intoxicação ou morte?

Podem sim. Grandes envenenamentos (em grandes áreas do corpo com linhas, por bichos grandes, em crianças, por cubomedusas e por caravelas) podem causar absorção e intoxicação no corpo todo, comprometendo o coração e os pulmões de forma grave. Mas deve ficar claro que este tipo de envenenamento é raro no Brasil, onde mais de 90% dos acidentes são causados por medusas pequenas e que causam acidentes pouco graves, embora dolorosos. Na região Sudeste e Sul essas pequenas medusas se chamam Olindias sambaquiensis e Chrysaora lactea. Elas causam centenas de milhares de acidentes todo verão, especialmente no Paraná e em Santa Catarina. E ainda existem as alergias às substâncias do corpo dos bichos, que funcionam como picadas de abelhas em algumas pessoas, podendo causar anafilaxia