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Em expansão no país, aplicativos para agendamento de consultas estão na mira do  Cremesp (conselho médico paulista) e terão que se adequar a novas normas para seguir atuando no Estado.

No último ano, 72 sindicâncias foram instauradas no conselho para apurar denúncias de infrações éticas envolvendo médicos cadastrados nessas plataformas digitais.

A questão virou briga judicial. A empresa Dr. Já diz que o Cremesp está coagindo médicos a deixarem a plataforma sob ameaça de processá-los. O conselho afirma que que só está fazendo valer os preceitos éticos, que, entre outras coisas, veta a divulgação do preço da consulta.

Nessas, plataformas, as pessoas se cadastram, encontram um médico da especialidade e do preço desejados e agendam a consulta. Em algumas, os profissionais atendem em casa; em outras, só em clínicas e consultórios.

Há pelo menos sete aplicativos de consultas médicas atuando no país, com cerca de 6.000 médicos cadastrados. As consultas custam entre R$ 50 a R$ 960, e o pagamento é feito diretamente ao médico-ou à clínica-após o atendimento. As empresas ficam com uma fatia de até 15%.

Segundo Lavínio Camarim, vice-presidente do Cremesp, o conselho paulista em conjunto com o CFM (Conselho Federal de Medicina), está elaborando nova resolução com regras mais claras sobre a atuação dos aplicativos.

Uma delas será a necessidade de a empresa ter responsável técnico médico e registro no conselho de medicina. Também é vetada a divulgação dos valores da consulta.

Para Camarim, essa prática caracteriza “exercício mercantilista da medicina”, além de gerar uma concorrência desleal, o que contraria o artigo 58 do código de ética.

Outra questão é a taxa de intermediação que, para o Cremesp, também configura infração ética. Ele diz que uma resolução de 2008 do CFM proíbe o vínculo dos profissionais com intermediadoras comerciais de serviços.

“Não somos contra nenhum avanço tecnológico que leve a uma disponibilização maior ou um acesso mais rápido entre o paciente e o profissional médico. Mas temos compromisso com a legalidade, com as normas.”

A empresa Dr. Já ingressou com mandado de segurança com pedido de liminar para voltar a atuar em São Paulo. Após o imbróglio com o Cremesp, ela saiu de São Paulo, mas segue ativa no Rio de Janeiro e em outros Estados.

Segundo Gustavo Valente, um dos sócios da empresa, a ação judicial questiona se o conselho paulista tem poder de interferir no mercado. “Tentamos um acordo, mas não tivemos sucesso”, afirma.

Para ele, o posicionamento do Cremesp representa um desvio de função e uma interferência na livre iniciativa. “A função do conselho é regular e fiscalizar o ato médico.”

A plataforma, explica, é aberta a todos os médicos, por isso não haveria concorrência desleal. “Ela agiliza o processo da escolha do profissional. É uma evolução do catálogo de serviços.”

Quanto a divulgar o preço da consulta, Valente diz que isso traz transparência e pesa na decisão do paciente.

Outra incoerência, segundo ele, é o Cremesp proibir a taxa de intermediação (no caso da Dr. Já, de 13%). “O conselho quer decidir como o médico gasta o seu dinheiro.”

Para ele, é vantajoso ao médico cobrar R$ 100 por uma consulta e pagar 13% de taxa para o aplicativo. “Isso não é ético? É mais ético receber R$ 40 dos planos de saúde?”

Sobre a necessidade de registro no conselho e responsável técnico, Valente diz não ser contra, mas argumenta que os profissionais cadastrados na plataforma estão vinculados a clínicas que já cumprem os requisitos técnicos.

Camarim, do Cremesp, defende a necessidade da uma nova regulamentação em razão de irregularidades que já estão sendo investigadas envolvendo os aplicativos.

O conselho recebeu, por exemplo, denúncias de médicos registrados em aplicativos se dizendo de uma determinada especialidade, quando eram de outra. “Precisamos tomar muito cuidado enquanto instituição que normatiza o bom exercício profissional.”

Para Fábio Tiepolo, criador da empresa Docway, é salutar que os conselhos médicos e as empresas pensem em uma regulamentação que não inviabilize o negócio.

A empresa, criada há quase dois anos, possui responsável médico técnico e aval do conselho médico do Paraná. Diz ter seguido as orientações e feito alterações à pedido do conselho, como divulgar a nota que os pacientes dão ao atendimento.

“Concordamos porque avaliar um médico não é tão simples como avaliar o Uber. Um pode ser super simpático e não acertar no diagnóstico, o outro pode ser menos simpático, mas ser eficiente e resolver logo o problema do paciente. Não queremos expor o médico a uma situação que não seja a realidade.”

Ele é contra, porém, o veto à divulgação do preço das consultas. “É uma questão de transparência, ninguém compara sem saber o preço.”

Sobre a taxa de intermediação, que no caso da Docway é de 15%, ele diz que a cobrança é em comum acordo com o médico. “Desde que fique claro, haja transparência, não vejo malefício.”

Bom preço, atendimento domiciliar, rapidez no atendimento são algumas das razões que estão levando pacientes a agendar consultas por meio de aplicativos.

Neste ano, a pedagoga Sharon Hakim, de São Paulo, já chamou três vezes uma pediatra pelo aplicativo da Docway para atender a filha Nina, 6, por crises alérgicas.

“Não levo mais para pronto-socorro de hospital de jeito nenhum, fica aquele monte de crianças juntas. Quando a pediatra dela não tem encaixe, recorro à Amine [Barbella Saba]. Ela ótima, super qualificada, amo de paixão”, afirma.

A pediatra cobra R$ 300 pela consulta domiciliar, mas há outros profissionais no mesmo aplicativo, que atendem por preços menores, na faixa dos R$ 200. “Pago pelo cartão, ela me dá recibo e eu tenho reembolso do meu plano de saúde”, diz Sharon.

Para a pedagoga, saber de antemão o preço da consulta pelo aplicativo é fundamental. “Muita gente não utiliza o serviço porque acha que é caro demais. Esses dias dei a dica para uma vizinha cuja babá passou mal. O aplicativo oferece várias especialidades. É ótimo poder ter um médico atendendo em casa.”

Outras plataformas, como o Dr. Já, só oferecem atendimento médico em clínicas. Maria Mercês Lima Monteiro, de Maricá (Rio), usou o aplicativo para encontrar um ortopedista para o filho João Pedro, 20, que lesionou o pé.

“Pelo plano de saúde, ia demorar um mês. Pelo aplicativo, consegui no dia seguinte, em pleno sábado, perto de casa”, conta. A família paga R$ 1.800 de convênio.

Outro que ficou satisfeito com consulta agendada pelo aplicativo foi o aposentado Sergio de Almeida, 76. Usuário do SUS, ele está com falta de sensibilidade na mão esquerda. “Não consigo segurar nada. As coisas caem.”

Segundo ele, um neurologista da rede pública diagnosticou no início do ano um “atrofiamento dos nervos” e recomendou fisioterapia. Mas, para Almeida, o tratamento não está funcionamento. Ele procurou então uma segunda opinião médica por meio da plataforma.

“Foi fácil agendar e o valor da consulta foi abaixo do que eu esperava. O médico ratificou o que o outro do SUS tinha dito e disse que eu preciso ter paciência, que o resultado é demorado mesmo.”

Ele diz ter pago R$ 50 pela consulta com o neurocirurgião e esperado uma semana pelo atendimento. “Tinha visto outros profissionais que cobravam acima de R$ 350.”

Fonte: Folha de São Paulo