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Neste artigo elaborado especialmente para os associados da RESP, a Profª. Drª. Cacilda da Silva Souza, Presidente da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Dermatologia, explica as várias etapas da elaboração da nova matriz de competências em Dermatologia, levanta os pontos críticos, além de alertar sobre a importância de se começar a organizar a implementação das mudanças, que começam a valer em março de 2020.  

A elaboração da matriz de competências em Dermatologia foi uma iniciativa da diretoria da SBD na gestão 2017/2018 junto à Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A aplicação de matriz de competências para a educação médica e formação de especialistas é uma tendência mundial e já tem sido adotada como modelo aos Programas de Residência Médica (PRMs) pela CNRM. Entre as vantagens, a atual proposta compreende o período de três anos de formação focada na especialidade, o que aumenta a perspectiva de uma formação mais completa na área de Dermatologia e está em maior consonância com o período mínimo de formação dos PRMs de outros países.

Em face da pluralidade de significados, a competência profissional pode ser definida como a capacidade de mobilizar, integrar conhecimentos, habilidades e valores necessários ao desempenho eficiente e efetivo das atividades requeridas em um contexto profissional específico. Compreende o uso habitual e criterioso do conhecimento, comunicação, habilidades técnicas, raciocínio clínico, valores éticos, emoções e reflexões na prática clínica a serviço do indivíduo e da comunidade.

Nesse contexto, as abordagens focadas em competências para currículos podem ser vistas como um tipo de educação baseada em resultados (Outcome-Based Education – OBE). Uma experiência educacional ou treinamento baseado em resultados, que enfatiza o aprendiz e os resultados do treinamento no programa e não os caminhos e os processos para atingi-los. Enquanto os critérios tradicionais organizados em torno dos objetivos do conhecimento tendem a enfatizar o processo instrucional, independentemente do produto do treinamento, a OBE leva a uma posição oposta, na qual os resultados orientam todas as decisões curriculares e os processos curriculares são secundários. Portanto, com o foco em resultados baseados em competências, a estrutura dos programas pode ser mais flexível no modo em como atingir a competência final dos seus egressos.

Há metodologias utilizadas, aceitas e validadas para a elaboração de uma matriz de competências. Embora, o ponto de partida seja baseado em uma proposta inicial hierarquizada e modelos preconizados, é fundamental considerar a realidade local dos Programas de Residência Médica e o nível profissional pretendido para servir à sociedade brasileira. Portanto, trata-se do momento crucial da interação da diretoria da SBD, Comissão de Ensino (CE), Comissão de Título de Especialista e chefes de serviço e/ou coordenadores de programa.

No processo de construção, a definição de uma matriz de competências, ou seja, um conjunto de competências-chave a ser desenvolvido ao longo do programa educacional, é seguida pela definição dos componentes dessas competências e, posteriormente, os níveis de desempenho a serem atingidos em cada ano ou momento do desenvolvimento curricular. Em conjunto com a definição das competências e seus componentes, é também importante definir o sistema de avaliação de resultados e os seus processos.

A identificação e a definição dos eixos e das competências necessárias à formação profissional consistem em uma etapa crítica no processo de construção desse modelo curricular. Cada uma das competências elegíveis deverá estar alicerçada em um conjunto de habilidades, capacidades, atitudes e conhecimentos necessários à boa prática médica, ainda que se considere os diferentes contextos que ensejam o exercício profissional e as influências socioculturais, histórico-geográficas e políticas sobre a formação e atuação do médico junto à população.

Trabalho coletivo

Uma vez atingida a aprovação do projeto da diretoria da SBD nas instâncias superiores, a Comissão de Ensino entende que há ainda um caminho a ser percorrido. O aprimoramento baseado em avaliações periódicas e uma participação ampliada são partes inerentes aos processos de construção de uma matriz curricular e atenderá as expectativas da Comissão de Ensino. Nota-se que a matéria é foco de contínuo debate e decorre da própria evolução dos processos da especialidade e das diferentes tendências, interesses, mudanças científicas, tecnológicas, políticas e sociais.

Um ponto crítico da proposta aprovada e que muitos questionam é se o enfoque integral na especialidade, sem a experiência em especialidades clínicas de interesse, possa ser a sua principal desvantagem, e o que seria relevante na formação da especialidade, e recomendado à nossa realidade e aos nossos modelos de sistema de saúde. A integração e as experiências em algumas áreas clínicas são imprescindíveis aos cuidados de pacientes em unidades ambulatoriais e de internação em vários dos nossos serviços credenciados, que oferecem assistência de maior complexidade no sistema de saúde. A experiência clínica integrada a algumas das especialidades resulta em maior preparo para assistência de casos complexos. Mas, fato é que, na atual conjuntura econômica, os custos com bolsas pelo aumento de mais um ano ao PRM de Dermatologia não parecem viáveis. No entanto, para exemplificar como o foco no resultado e não no processo pode ser conduzido em uma matriz de competências, tomamos como exemplo a inclusão da competência de dominar o suporte à vida, com ações de urgência e emergência. Nesse caso, entende-se que para ser atingida, o coordenador do programa possa eleger como necessário um estágio em uma unidade de Urgências e Emergências.

Ainda é importante ressaltar que, a definição de uma matriz de competência não deve ter o objetivo de esgotar todas as possíveis facetas do exercício profissional competente, mas indicar um conjunto de habilidades, valores, saberes e comportamentos que qualificam a boa prática médica.

Por mais desafiadora que possa ser essa tarefa, conceitualmente, é essencial que uma matriz curricular para as competências deva ser o resultado de um trabalho coletivo, dando oportunidade a todos na sua construção. O envolvimento, o protagonismo e as manifestações das Comissões, chefes de serviço, coordenadores de programas, preceptores e associados, com expertise reconhecida em ensino e treinamento na área de Dermatologia, fortalece e dá sentido à proposta e à sua futura implantação, como o de participar, contribuir e pertencer à SBD.

Estamos próximos da implantação das mudanças previstas para 2020. Uma vez que os PRM de Dermatologia participam com representantes nas COREMES, entende-se que serão necessários diálogos, esclarecimentos e ajustes tendo em vista as possíveis limitações das instituições e dos serviços, como de infraestrutura e recursos humanos.

 

 

Profª Drª Cacilda da Silva Souza

Presidente da Comissão de Ensino – Sociedade Brasileira de Dermatologia

 

Fontes:

SANTOS, Wilton Silva dos. Organização curricular baseada em competência na educação médica. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, p. 86-92, Mar. 2011.

GONTIJO, Eliane Dias et al. Matriz de competências essenciais para a formação e avaliação de desempenho de estudantes de medicina. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, v. 37, n. 4, p. 526-539, Dec. 2013.

Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) Program Requirements for Graduate Medical Education in Dermatology. July 1, 2017.