Dermatologistas dizem que tratamento pode causar queimaduras e alergias
Na clínica de estética dentro de um shopping na região da Paulista, em São Paulo, um tratamento completo para suavizar manchas de espinha, com algumas sessões de microagulhamento, sai por R$ 7.000, divididos em até 12 vezes. Na internet, o rolinho com 500 microagulhas custa R$ 29.
A tentação de resolver o problema em casa é grande, para desespero dos dermatologistas.
A internet colabora com o “faça você mesmo”: no YouTube há mais de 85 mil vídeos ensinando como usar o dermaroller (nome de marca alemã que se tornou sinônimo do microagulhamento).
Fotos no Instagram de celebridades com pontos de sangue no rosto também ajudaram a popularizar a técnica, iniciada pelas blogueiras coreanas.
Entre os vídeos que ensinam como perfurar o rosto, os culotes ou o couro cabeludo está o relato da youtuber Lorena Rodrigues, 25. Com o rosto vermelho e sob o título “Deu Ruim”, ela conta como o tratamento caseiro falhou.
A estudante de veterinária comprou o aparelhinho pela internet e conseguiu cremes à base de vitamina C e ácido hialurônico com uma amiga que trabalha em uma clínica de estética. “Foi um conjunto de erros. Eu passei a pomadinha anestésica que veio junto com o roller, não senti mais nada e acho que passei com muita força.”
Os cremes pioraram o quadro. Lorena ficou com o rosto queimado e teve de usar pomadas contra queimadura e com antibióticos receitadas por médicos. Até hoje recebe mensagem de pessoas desesperadas porque tiveram alguma reação e estão com o rosto vermelho.
A promessa do tratamento é aumentar a produção de colágeno e minimizar marcas. Mas, apesar fama de milagroso nas clínicas de estética, para Sergio Palma, vice-presidente da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), o procedimento ainda não tem eficácia comprovada em estudos, muitos deles com falhas metodológicas. “Mais pesquisas são necessárias para consolidar o microagulhamento como uma opção terapêutica baseada em evidências para o tratamento de cicatrizes, rugas e outras condições de pele”.
A lista de perigos também é grande. “Nem toda mancha pode ser tratada como melasma. Sem saber, a pessoa pode fazer um microagulhamento sobre um câncer de pele”, afirma Palma. O dermatologista também alerta para o risco do procedimento em quem tem lúpus e herpes.
“Se a pessoa não fizer uma assepsia perfeita do rosto, ela pode acabar se infectando ao perfurar a pele que está cheia de bactérias”, diz o dermatologista Renato Lima.
Lorice Issa Miguel, fisioterapeuta especializada em estética, diz ainda que todo o ambiente ao redor precisa estar preparado. “Estamos sempre com luvas, máscara e touca. Todos os instrumentos são esterilizados e os cremes e substâncias que aplicamos na pele têm agentes bactericidas”, diz.
Lima diz que as agulhas do dermaroller vão de 0,25 mm a 2 mm de profundidade. “O microagulhamento que dá resultado, que trata marcas severas de acne, por exemplo, são os mais profundos, de 1,5 mm a 2 mm. Menos que isso, no máximo ele vai dar mais viço à pele”, afirma.
A marca alemã Dermaroller oferece um kit para uso caseiro, com agulhas de 0,2 mm (as opções mais longas são de uso profissional). Há também uma solução de limpeza para o aparelhinho doméstico. A marca não entrega no Brasil.
Já a DermaRoller System indica o uso diário do roller de 0,5 mm. está à venda por aqui e possui registro certificação da Anvisa. Procurado pela reportagem, o site dermarollersystem.com.br disse que apenas importa e revende a marca.
POLÊMICA
O microagulhamento está no grupo dos procedimentos que causam discórdia entre dermatologistas, fisioterapeutas e esteticistas. Palma diz que o microagulhamento é um procedimento estético invasivo e, como previsto em legislação, só deve ter sua indicação e execução feita por médicos.
Em setembro de 2017, a Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, por meio de uma liminar, uma resolução do Conselho Federal de Enfermagem que previa a atuação de seus profissionais na área estética.
Palma diz que há também uma liminar em trâmite contra as resoluções do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional que permitem a aplicação da técnica.
Já a Associação Brasileira de Fisioterapia Dermato-Funcional publicou um parecer em abril de 2016 no qual afirma que os fisioterapeutas podem realizar o microagulhamento. No início do mês, a profissão de esteticista e cosmetólogo foi regulamentada e, no texto da lei, não há menção a procedimentos invasivos.
Na prática, médicos usam as agulhas mais profundas e outros profissionais de saúde usam as menores.