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Conversamos com o Grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo: Dr Marcelo Sato, Dra Maria Carolina Corsi, Dr João Paiva e com o Dr Elimar Gomes, coordenador deste grupo e vice-presidente da SBD-Regional São Paulo, sobre as principais dúvidas de pacientes oncológicos. Por exemplo, como eles podem cuidar da pele e das mechas, se a radio e a quimioterapia afetam a cútis, se há problemas em fazer micropigmentação de sobrancelhas, se existe um meio de não perder o cabelo durante o tratamento, entre outras questões. Confira a entrevista.

 

RESP: A quimioterapia afeta a pele?

Dr Elimar Gomes: A pele, os cabelos e as unhas estão em constante proliferação celular, para manter o seu equilíbrio e sua proteção contra o ambiente externo. Os diversos tratamentos oncológicos, como a quimioterapia, agem para alcançar células neoplásicas (do câncer) em qualquer região do corpo. Dessa forma, os efeitos colaterais podem ocorrer em diferentes partes do organismo.

O tratamento contra o câncer tem como principal objetivo eliminar as células cancerígenas que formam o tumor, mas nem sempre os medicamentos utilizados são capazes de diferenciar as células malignas das células normais; ou seja, atingem tanto células que formam o tumor quanto células sadias. Por isso, observamos queda de cabelo, alterações nas unhas, um intenso ressecamento e aumento da sensibilidade da pele, levando à coceira e ardência. Tais eventos costumam ser considerados inerentes ao tratamento, porém, determinam um grande impacto negativo na qualidade de vida do paciente, por desconforto ou por limitar atividades do dia a dia. Isso coloca em risco o sucesso terapêutico oncológico, pois, muitas vezes, é necessário interromper os medicamentos, ou diminuir as doses terapêuticas, o que pode prejudicar a eficácia dos protocolos e até mesmo a sobrevida do paciente.

Uma vez que a toxicidade cutânea é tão comum, o ponto crucial é saber que essas alterações podem ser efetivamente tratadas e, muitas vezes, prevenidas através de uma intervenção dermatológica assertiva.

 

RESP: A quimioterapia predispõem o câncer de pele?

Dr Marcelo Sato: Sim. Em alguns casos, a quimioterapia pode aumentar a predisposição ao câncer de pele. Isso acontece, principalmente, em tratamento que leva a períodos de imunossupressão (redução das células de defesa). Nesses casos, os mecanismos de vigilância contra células tumorais feitos pelos linfócitos T estão reduzidos, aumentando o risco de outras neoplasias. Em relação à pele, a imunossupressão leva ao incremento mais evidente do câncer não melanoma do tipo carcinoma espinocelular. Vale lembrar que as neoplasias hematológicas que afetam o número ou a ação dos linfócitos aumentam o risco de neoplasias cutâneas independentemente do tratamento realizado.

 

RESP: A radioterapia também pode provocar alterações na pele?

Dr Marcelo Sato: Estima-se que mais de 90% dos pacientes que passam pelo tratamento com radioterapia vão apresentar algum tipo de reação cutânea. As alterações na pele induzidas pela radiação são chamadas de radiodermite. Elas podem aparecer nos primeiros dias de tratamento ou até anos depois. Até 90 dias após as sessões, as alterações mais comuns são a vermelhidão, a descamação e o inchaço da área irradiada. Em casos mais graves podem surgir úlceras e associação com infecções. Depois dos 90 dias, pode-se observar o aumento no número de vasos (telangiectasias) e necrose óssea.

A radiodermite pode ser mais intensa nos pacientes que já apresentam comorbidades, naqueles em tratamento concomitante com quimioterapia ou terapia-alvo ou quando áreas mais sensíveis à radiação são envolvidas (cabeça e pescoço / mama e períneo).

 

RESP: Como cuidar da pele do paciente oncológico? Ela fica diferente da pele de uma pessoa que não está em tratamento?

Dra Maria Carolina Corsi: Pessoas em tratamento com quimioterapia, comumente, ficam com a pele mais ressecada, sujeita à descamação e mais sensível, podendo apresentar sinais de irritação ao entrar em contato com diversos produtos. Além disso, podem surgir mudanças na coloração, cortes e feridas que demoram para cicatrizar, mais propensos à infecção. Portanto, os cuidados com a pele também fazem parte do tratamento oncológico e preservação do bem-estar do paciente.

A hidratação é essencial para que a pele se mantenha íntegra e funcione como barreira de proteção natural. Banhos muito quentes e com sabonetes comuns contribuem para o ressecamento da pele. Por isso, é importante tomar banhos rápidos, com água morna e utilizando sabonete neutro ou específico para peles sensíveis.

A proteção solar também é recomendada, uma vez que a pele fica ainda mais sensível aos efeitos nocivos da radiação. O protetor solar deve ser usado diariamente, mesmo nos dias nublados e em ambientes fechados, pois parte dos raios ultravioleta atravessam nuvens e janelas. Em ocasiões de exposição solar mais intensa, recomenda-se o reforço da aplicação do protetor e o uso de roupas de mangas compridas e acessórios, como chapéus, bonés e óculos escuros de boa qualidade.

Os produtos com álcool devem ser evitados por quem está com a pele sensível, pois esse componente causa ardência, vermelhidão e irritação. Produtos que contenham ácidos e esfoliantes também devem ser evitados sem a orientação de um dermatologista. Além disso, é preciso redobrar os cuidados na hora de se depilar ou fazer a barba com o auxílio de lâminas. Como a pele está mais sensível, há um risco maior de cortes de difícil cicatrização, que facilitam a ocorrência de infecção. Se possível, substitua as lâminas por aparelhos elétricos, que oferecem menor chance de machucar a pele. Contudo, antes de adotar qualquer método para retirar os pelos, sempre fale com o seu médico – muitas vezes, a orientação pode ser suspender a remoção por alguns meses.

Produtos de limpeza (sabão em pó, detergente, água sanitária, etc.), tintura de cabelo, solventes e outros tipos de produtos químicos podem agravar sintomas de irritação da pele, como vermelhidão, inchaço e descamação. Por isso, tente evitar ao máximo o contato com esses itens e utilize luvas, quando for necessário lidar.

É muito importante evitar tirar as cutículas, pois ela tem função de proteção e sua remoção pode causar infecções. Além disso, alguns quimioterápicos podem causar alterações das unhas e tecido periungueal. Qualquer pequeno trauma nessa região pode agravar os sintomas.

 

RESP: E dos cabelos?

Dra Maria Carolina Corsi:  A queda de cabelo (alopecia) durante a quimioterapia é um dos efeitos colaterais mais conhecidos e estigmatizantes do tratamento oncológico. Não são todos os quimioterápicos que causam queda de cabelo, entretanto. Além do tipo de quimioterápico utilizado, outros fatores devem ser levados em conta. Os combinados e em doses mais altas têm mais chance de causar alopecia. Administração endovenosa costuma ser pior que via oral. Características da própria pessoa, como idade mais avançada, histórico de calvície e quimioterapia prévia também devem ser considerados.

Os cuidados com os cabelos devem incluir uso de shampoo suaves, sem substâncias irritantes e toalha macia para secar, com movimentos suaves e sem esfregar. Utilizar escovas de cabelos macias, evitar secar o cabelo com altas temperaturas e o uso de produtos químicos, como alisamentos e tinturas. É muito importante também proteger o couro cabeludo da exposição solar.

 

RESP: Como prevenir a queda de cabelo em pacientes que passaram por quimioterapia?

Dr João Paiva: O método mais usado, hoje, para a prevenção da queda de cabelo em pacientes submetidos à quimioterapia é o “scalp cooling”. É um mecanismo de resfriamento do couro cabeludo durante a infusão do quimioterápico, que reduz a queda de cabelo através da redução do metabolismo celular e da redução da perfusão sanguínea (a circulação), o que leva à diminuição da quantidade de quimioterápico no couro cabeludo. A eficácia do método depende da droga usada, dose e combinações de drogas, além da temperatura atingida no couro cabeludo e do tempo de resfriamento.

 

– Só a quimioterapia faz os cabelos caírem?

Dr João Paiva: Outros tratamentos, como a radioterapia, a terapia-alvo, a imunoterapia, as terapias endócrinas e o transplante de medula óssea também estão associados à queda de cabelo, além de alterações da pigmentação, textura e crescimento capilar.

Os tumores mais relacionados com a alopecia da radioterapia são os cerebrais, incluindo as metástases. Isso acontece porque os folículos capilares são sensíveis à radiação. Essa sensibilidade depende da dose total de radiação e do número de sessões realizadas (o fracionamento). Dessa forma, alguns pacientes terão apenas uma redução parcial dos fios, que pode se resolver após o término do tratamento. Outros terão perda completa, muitas vezes associada a cicatrizes no couro cabeludo e alopecia permanente.

Medicamentos usados na terapia-alvo são direcionados a moléculas responsáveis pela proliferação celular. Eles costumam apresentar menos efeitos colaterais do que a quimioterapia clássica, mas causam muitas reações cutâneas, entre elas, alterações da textura dos cabelos, da sua coloração, além de queda capilar. Algumas reações inflamatórias do folículo piloso causadas por essas medicações podem induzir alopécia cicatricial (queda de cabelo permanente) nas áreas de acometimento.

A imunoterapia, tratamento feito com drogas que estimulam o sistema imunológico do paciente a combater o tumor, também pode causar queda de cabelos e alteração da pigmentação dos fios. Essa terapia pode induzir queda difusa, associada ao afinamento dos fios, e também alopécia areata, tipo de queda de cabelo autoimune.

Terapias endócrinas usadas, principalmente, nos tumores ginecológicos podem causar alopecia do tipo androgenética (a calvície) por reduzirem a quantidade de hormônio feminino – que normalmente protege os fios de cabelo. Por fim, a alopécia em pacientes submetidos a transplante de medula óssea, além de poder ser causada pela quimioterapia clássica e pela radioterapia, também pode ser causada pela doença do enxerto contra hospedeiro, com queda do tipo cicatricial (permanente), do tipo alopécia areata (autoimune e não permanente) ou difusa, com o afinamento dos fios.

 

RESP: Após a queda, tem como fazer os fios nascerem mais rápido? 

Dr Marcelo Sato:  A queda de cabelo é um efeito colateral frequente da quimioterapia e que pode gerar grande ansiedade ao paciente. Na maioria dos casos, esse é um quadro reversível com crescimento progressivo dos fios dentro dos seis meses após o término do tratamento. Até o momento, não existem compostos aprovados por agências regulatórias para prevenção da queda de cabelo induzida pela quimioterapia. No entanto, estudos demonstram resultados positivos com uso do minoxidil tópico no couro cabeludo para tratamento após a queda, diminuindo o tempo para o crescimento dos fios. A melhora também já foi descrita com uso dessa medicação na forma oral. Em relação a perda dos fios dos cílios, a bimatoprosta aparece como principal opção terapêutica, mas também sem ação preventiva.

 

RESP: Existem produtos ou ativos que o paciente oncológico deve evitar? 

Dr Elimar Gomes: Sim. Alguns produtos podem agravar problemas e devem ser evitados. A maioria dos pacientes em tratamento oncológico tendem a ter a pele ressecada ou sensibilizada. Os produtos tópicos podem piorar essa situação ou provocar irritação ou alergia. Sabonetes esfoliantes ou com alto poder de remover oleosidade, por exemplo, devem ser evitados. Creme ou loções com muito perfume ou corantes e conservantes em excesso não são adequados.

 

RESP: Preciso perguntar ao meu dermato ou oncologista sobre cada produto cosmético que quero utilizar?

Dr Elimar Gomes: Num cenário ideal, o melhor seria sempre consultar um médico dermatologista diante de qualquer dúvida ou qualquer alteração na pele e, com a sua ajuda, escolher produtos que tenham sido testados especificamente em pacientes em tratamento oncológico.

 

RESP:Pacientes oncológicos podem fazer micropigmentação de sobrancelhas?

Dr João Paiva: Não há contraindicação à micropigmentação de sobrancelhas antes do início ou após o término do tratamento oncológico. Já a realização do procedimento durante a quimioterapia deve ser evitada, pelo risco de complicações como infecção, que poderia causar adiamento do tratamento oncológico. Além disso, algumas drogas quimioterápicas causam reações cutâneas que, quando presentes no local a ser realizada a micropigmentação, contraindicam o procedimento.

 

O artigo foi desenvolvido com o auxílio técnico do Grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo: Dr Marcelo Sato, Dra Maria Carolina Corsi, Dr João Paiva e com o Dr Elimar Gomes, coordenador deste grupo e vice-presidente da SBD-Regional São Paulo. Dr Elimar Gomes, atual Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia – Regional São Paulo, é Médico Dermatologista e Cirurgião Dermatológico pela UNIFESP | EPM. Tem Doutorado em Oncologia pela FAP | AC Camargo Cancer Center – SP, atua como Coordenador do Grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da Beneficência Portuguesa de São Paulo e é membro titular da SBD – Sociedade Brasileira de Dermatologia, da SBCD – Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica e do GBM – Grupo Brasileiro de Melanoma.