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Embora nos últimos anos as pessoas tenham passado a usar filtros solares que protegem contra a radiação UVB e UVA, a incidência de câncer de pele na população continua elevada. Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, o câncer de pele responde por 33% de todos os diagnósticos desta doença no Brasil, sendo que o Instituto Nacional do Câncer (Inca) registra a cada ano cerca de 180 mil novos casos. Na Austrália, apesar da campanha massiva para promover o uso de protetores solares, a incidência de melanoma invasivo aumentou 13% na população suscetível com idade inferior a 30 anos, segundo dados de um artigo publicado em 2016 no Journal of Investigative Dermatology. Por trás destes números pode estar a ação da luz visível, que também causa danos à pele, principalmente quando associada à exposição aos raios UVA.

O alerta foi feito professor Maurício S. Baptista, do Instituto de Química (IQ) da USP e membro do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), que, em julho, publicou resultados de mais um estudo de seu grupo sobre fotodano, desta vez mostrando como os efeitos combinados da radiação UVA e da luz visível causam lesões pré-mutagênicas no DNA nuclear de queratinócitos, que são células do tecido epitelial.

“A sociedade erra ao considerar a luz visível segura. As políticas de proteção solar são centradas na prevenção de danos causados pela exposição à radiação ultravioleta (UV), quando já se sabe que a luz visível também causa danos à pele”, afirma Baptista.

Segundo o pesquisador, as pessoas são induzidas a erro ao acreditar que passando protetor solar a cada duas horas podem ficar o dia inteiro expostas ao sol. “Elas acham que estão protegidas, mas não estão. Essa proteção não é suficiente e, infelizmente, produtos que possam oferecer proteção contra os efeitos da luz visível ainda não estão disponíveis no mercado. As empresas que produzem os filtros solares conhecem os dados sobre os efeitos nocivos da luz visível, mas, como ainda não desenvolveram produtos adequados, não falam sobre esse assunto, colocando a saúde da população em risco.”

Baptista lembra, no entanto, que as pessoas não devem evitar totalmente o sol. Os raios UVB são necessários para a síntese de vitamina D, que, além do papel contra a osteoporose, está envolvida no desempenho de músculos, nervos, coagulação do sangue, crescimento celular e utilização de energia. A dose ideal seria expor o corpo inteiro por 30 minutos ao sol, três vezes por semana, sem o uso de filtros solares.

Danos causados pela luz visível

A luz visível, à qual nossos olhos são sensíveis, é uma forma de radiação eletromagnética, assim como os raios ultravioleta. Ela penetra na pele mais profundamente do que os raios UVA e só pode ser bloqueada por filtros físicos.

Os efeitos nocivos causados pelos raios UVA em células eucarióticas já foram amplamente estudados e são bem conhecidos. Nos últimos anos, no entanto, cientistas como Baptista vêm alertando para danos causados pela luz visível. O pesquisador e seu grupo têm se dedicado a desvendar os mecanismos pelos quais se dão esses efeitos deletérios.

Em artigo publicado em 2014, eles já haviam mostrado que reações de fotossensibilização da melanina induzidas por luz visível causam danos ao DNA nuclear dos melanócitos. A melanina é o pigmento responsável pela coloração da pele e pela proteção contra os raios UVB, produzida pelos melanócitos, que são células localizadas na barreira entre a epiderme e a derme.

Agora, em artigo publicado no Journal of Investigative Dermatology, os pesquisadores relataram os efeitos prejudiciais da radiação UVA combinada com a luz visível em queratinócitos epidérmicos humanos imortalizados (HaCat) e queratinócitos humanos primários normais (NHK). Queratinócitos são células do tecido epitelial, representando 80% das células epidérmicas.

Baptista conta que o primeiro passo da pesquisa foi constatar a formação de grânulos citoplasmáticos em células HaCat e NHK tratadas com radiação UVA. Estes grânulos foram identificados como sendo a lipofuscina, conhecida como o pigmento do envelhecimento.

A lipofuscina é um agregado heterogêneo, feito de biomoléculas oxidadas e traços de metais, que resulta da digestão incompleta de restos celulares. A radiação UVA causa danos aos lisossomos das células e inibe o fluxo autofágico. A autofagia é um mecanismo de autolimpeza das células e a inibição desse processo leva ao acúmulo de lipofuscina.

O que os pesquisadores provaram nesse trabalho é que a lipofuscina, por sua vez, é um fotossensibilizador de luz visível, ou seja, ela absorve a luz e gera quantidades consideráveis de espécies tripletes e de oxigênio singlete. O oxigênio singlete é uma espécie eletronicamente excitada da molécula de oxigênio molecular e um poderoso oxidante de biomoléculas.

Eles então investigaram a oxidação direta do DNA nuclear e viram que a ação sinérgica de radiação UVA e luz visível causa lesões pré-mutagênicas no DNA dos queratinócitos. Segundo Baptista, os resultados obtidos pelo grupo indicam que o DNA dessas células sofre dano oxidativo causado pelo oxigênio singlete e por reações radicalares. O acúmulo de danos no DNA dos queratinócitos pode levar ao desenvolvimento do câncer de pele.

A lipofuscina já havia sido correlacionada com efeitos deletérios da exposição solar nos olhos e é considerada a principal causa de cegueira ligada à idade, mas sua fototoxicidade na pele ainda não havia sido descrita.

Estes resultados foram apresentados no congresso da European Society for Photobiology 2017 pelo doutorando Paulo Newton Tonolli, primeiro autor do artigo, que ganhou o prêmio de melhor pôster conferido pela Royal Society of Chemistry.

Proteção contra luz visível

Uma das dificuldades para o desenvolvimento de filtros solares que protejam também contra a luz visível é que eles teriam de ser coloridos.

Paralelamente ao estudo dos mecanismos do fotodano, Baptista e seu grupo vêm desenvolvendo um novo conceito em termos de proteção solar, baseado no uso de pigmentos naturais em protetores, que, assim, são capazes de diminuir a penetração da luz na pele sem causar mudança perceptível da cor da pele.

Em 2016, ele depositou um pedido de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) de um processo de obtenção de nanopartículas de sílica revestidas com melanina. A ideia é, a partir daí, gerar um filtro solar que proteja contra a luz visível.

Segundo o pesquisador, algumas empresas, como a brasileira FarmaService Bioextract e a indiana Interface Solutions, já mostraram interesse em desenvolver produtos para a proteção contra os efeitos da luz visível em parceria com o laboratório de pesquisa de Baptista no Instituto de Química da USP.

Mas o processo é lento e, por ora, enquanto não for desenvolvido um filtro solar que proteja contra um espectro mais amplo de luz solar, a recomendação é que se tome sol com moderação.


Fonte: Jornal da USP.