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Será que nos lavamos DEMASIADAS VEZES e que devíamos deixar de tomar banho todos os dias? Entre o chuveiro e a banheira, vemos os prós e os contras do banho diário — com a ajuda de especialistas — e tentamos perceber os hábitos de higiene no mundo. Nem a (polémica) lavagem do cabelo escapou ao duche das ideias feitas. Sempre com hidratante no fim.

Já não nos lavamos “quando o rei faz anos” e até olhamos para o passado com a mão a tapar o nariz. A pressão social e a indústria da cosmética fizeram-nos mais limpinhos e cheirosos, e isso é algo que a nobreza da Idade Média decerto não haveria de entender. Voltámos a encontrar prazeres mundanos na água, como havia no período romano e na Antiguidade Clássica, ou é apenas de higiene que se trata? Parece que estamos a exagerar.

Poucas são as profissões que nos fazem transpirar e até podemos estar a gastar a pele com tanta limpeza, que dá beleza mas que pode não dar saúde.

Somos bombardeados com estudos sobre uma determinada população que se lava muito pouco (aos nossos olhos e dos que se lavam ainda mais) e não raras vezes descobrem-se golpes publicitários que nos incitam a consumir o que não precisamos. Na verdade, Portugal não entra na maior parte das estatísticas (muitas vezes feitas por grupos empresariais dedicados à indústria dos produtos de higiene) e os estudos consultados pelo Expresso não apresentam valores para a realidade nacional. Não é por isso que deixamos de ser, sem grandes dúvidas, dos mais limpos do continente.

É preciso separar as águas e perceber, de uma vez por todas, se tomar banho todos os dias é bom, mau ou assim-assim. Será que há ‘ativos tóxicos’ na nossa pele que justifiquem uma vigorosa esfrega diária? O banho não é um banco e talvez até seja melhor lavarmo-nos de pé. Há várias formas de entender a higiene humana, e os especialistas dividem-se quanto ao número de vezes que se deve entrar no chuveiro. Se os dermatologistas portugueses contactados pelo Expresso consideram que não há qualquer problemas em tomar banho diariamente, há vozes lá fora que não pensam da mesma forma.

Katherine Ashenburg, autora do livro “The Dirt on Clean: An Unsanitized History of Washing”, julga que “não é preciso submergir o corpo e lavá-lo no seu todo”, porque o sabão seca demasiado a pele, mas a norte-americana explica que “o problema vai além da estética ou da cosmética”. “Ao criar gretas, a pele torna-se mais vulnerável a infeções”, e é preciso evitá-las a todo o custo. Os micróbios que a pele conserva naturalmente têm o seu papel, “ajudando a prevenir doenças e infeções, pelo que não é uma boa ideia eliminá-los”. Américo Figueiredo, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), pensa de forma diferente e não vê “qualquer contraindicação na tomada de banho diário no indivíduo normal”. O mito desfez-se logo, com aconselhamento médico, e parece não haver mesmo qualquer contraindicação no duche diário. “As camadas existentes são sebo e a normal descamação da pele, que se renova todos os 28 dias e que em peles normais pode e deve ser retirada”, explica o dermatologista. Afinal, a história da camada protetora revela-se falsa. “Não existe qualquer camada ‘protetora’” na pele, frisa.

A lenda não passava disso mesmo, uma lenda, mas as histórias dos malefícios do banho continuam a encher páginas de jornais e blogues na internet. A verdade é esta: é preciso adequar os hábitos ao estilo de vida de cada um. A higiene é importante — não só para nos sentirmos bem mas também na sua dimensão social —, mas o clima em que vivemos tem o seu papel na equação. “É uma questão individual, e a periodicidade deve depender de fatores como o tipo de trabalho que cada um desempenha, se faz exercício, do clima em que vive e do quanto transpira”, considera Ashenburg, agora mais moderada.

Apesar das mudanças na forma como nos limpamos ao longo da história e das diversas maneiras de proceder à higiene diária — os países do centro e norte da Europa usam até uma esponja ou luva para um duche a seco —, não há qualquer problema em molhar todo o corpo diariamente. É assim que os dias começam ou acabam no sul da Europa (assim como em territórios mais afetados pelo calor e pela humidade), e a preferência do duche não é apenas estatística. Esta questão dos hábitos também é analisada pelos dermatologistas. Do lado médico, a preferência vai para o duche. “Desde que não se trate de um banho de imersão, não há qualquer problema com a manutenção desta rotina diária”, explica o dermatologista Rui Oliveira Soares, que se dedica especialmente à dermatologia capital (já lá vamos, que o cabelo é outra conversa).

A história da limpeza portuguesa — com certeza — já vem de trás, do tempo da Guerra Colonial, quando os portugueses que procuravam casa em países como a Bélgica eram obrigados a pagar rendas superiores por usarem mais água do que os locais. Os tempos mudaram e, embora o trabalho seja cada vez mais em espaços com ar condicionado e a atividade física tenha descido — há tempo reservado para isso no ginásio —, por cá quase ninguém dispensa a frescura de um duche.

Não há problema. Rui Oliveira Soares considera que “o bem-estar pessoal e social que decorre desse hábito ultrapassa largamente a única desvantagem, que consiste em secar um pouco mais a pele de pessoas já de base com pele muito seca.” Mesmo que o duche diário fosse prejudicial — que não é —, Américo Figueiredo pensa que os portugueses (e todos os que se habituaram a ele) já não conseguiriam abandonar a rotina quotidiana. “Em relação ao hábito, parece mesmo que quem se habitua a tomar banho diário tende a manter esse hábito, já que sem isso não se sente bem”, diz-nos.

NA DOENÇA E ATÉ À VELHICE

Tudo tem de ser visto caso a caso, mas há garantias que valem mais do que qualquer banho de imersão depois do trabalho. O dermatologista e presidente da SPDV garante que “mesmo os indivíduos de pele atópica ou muito seca podem tomar banho diário desde que apliquem um hidratante corporal após o banho e depois de enxugarem a pele com toalha”. O eczema atópico requer cuidados redobrados, porque “por um lado o banho retira a gordura e aumenta a secura, mas por outro ‘limpa’ a flora microbiana que contribui para a causa do eczema”. A recomendação passa a ser “tomar banho aplicando hidratante corporal de seguida”, sem que “a tomada de banho em dias alternados deixe de ser equacionada”.

A vida obriga-nos a mudanças e também no duche é preciso ter cuidado. As necessidades dos jovens são diferentes das dos idosos e à medida que se envelhece é preciso medir os prós e os contras de tomar banho com tanta regularidade. Os adolescentes estão sempre no banho — e afinal têm razões para isso, pois produzem mais secreções sebáceas — e depois a tendência é moderar. No fim, a tendência passa a recomendação. Os idosos que têm uma pele mais seca ou mesmo muito seca, especialmente nos membros, podem optar por não tomar banho todos os dias. O envelhecimento leva a uma “diminuição da quantidade e atividade das glândulas sebáceas”, e isso faz com que o duche diário deixe de ser uma prioridade.

Existem outras possibilidades, menos agressivas, e um banho sem gel de banho ou sabonete também conta e pode ser a melhor opção para estes casos especiais. Rui Oliveira Soares retoma o tema e dá a solução: “As áreas do corpo e membros com tendência à secura podem ser lavados apenas com água corrente ou usando creme lavante.” A hidratação é mesmo o ponto-chave. “O banho deve terminar com a aplicação de um creme hidratante.” Já foi dito.

Se por cá o número de vezes que se toma banho já deixou de ser uma questão de saúde pública, nunca será demais referir (e lembrar) que nem sempre tomamos atenção à forma como nos lavamos. Na transição da infância para a adolescência, quando as crianças se tornam mais autónomas, os pais recomendam quais as zonas do corpo que devem ter uma atenção redobrada. Para quem as esqueceu, ou para quem as quiser relembrar a alguém, Américo Figueiredo deixa os pontos fulcrais da limpeza: “São as pregas em geral, nomeadamente as axilares, genitais e interdigitais dos pés (onde por aumento do calor e humidade — transpiração — se acumulam maiores populações de bactérias e fungos, mesmo residentes, mas com eventual capacidade patogénica).”

COURO E CABELO

Se a questão do duche corporal é menos polémica, a lavagem da cabeça tende a levantar mais cabelo. Também não há que temer. “Lavá-lo não aumenta a calvície, apesar do enraizado mito”, garante Rui Oliveira Soares, e “também nunca foi comprovado que mais lavagens estimulem a secreção sebácea, pelo menos dentro dos limites de frequência habituais”. Isto é válido tanto para os homens como para as mulheres. O presidente da SPDV corrobora e explica o que à partida pareceria óbvio. “O cabelo deve ser lavado consoante o seu grau de oleosidade, e nos indivíduos seborreicos também pode ser feito diariamente sem qualquer receio.” Só é preciso adequar os produtos à condição de oleosidade e descamação. Mas não há milagres. “Não existem produtos ou medicamentos genericamente ‘bons’ para o cabelo”, frisa o coordenador da Consulta do Cabelo do Hospital CUF Descobertas. As experiências nem sempre correm bem e, passando da higiene para a profilaxia, não há nada como consultar um especialista. Mas isso é outra Fisga.

Fonte: Expresso.pt